Cotidiano

Britânicos votam em referendo que ameaça abalar alicerces europeus

LONDRES – Depois de uma campanha agressiva que levou a uma divisão sem precedentes, os britânicos começaram a depositar às 6h (locais) se o Reino Unido continuará a fazer parte da União Europeia (UE) ou deixará o bloco após 43 anos de parceria, opção conhecida como Brexit. Na véspera do plebiscito, quatro novas pesquisas indicaram um empate técnico, com uma pequena vantagem para o Brexit em duas delas. Mas, seja qual for o resultado, a disputa gerou uma polarização que deixará marcas. Se o Leave (de ?sair?) vencer, as consequências econômicas poderão sacudir os mercados e o premier David Cameron dificilmente conseguirá se manter no cargo. Se o Remain (de ?permanecer?) ganhar, o governo precisará enfrentar a frustração de uma imensa parcela da população que demonstrou não confiar na UE. CONTEÚDO BREXIT PAPEL 2306

O clima de sociedade rachada pode ser sentido nas ruas de Londres. Em frente ao Parlamento, enquanto flores eram colocadas para lembrar a parlamentar Jo Cox, defensora da integração europeia assassinada por um neonazista, uma ativista carregava um cartaz com xingamento à UE. Nas estações de metrô, o jornal ?Evening Standard? era distribuído gratuitamente e pedia na primeira página votos para o Remain. Mas quem lesse tabloides populares como ?The Sun? e ?Daily Express? encontraria mensagem oposta.

Em entrevista ao ?Guardian?, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, alertou que a participação britânica na UE é fundamental para combater o terrorismo e a imigração ilegal. A advertência se soma a recados semelhantes dados nos últimos dias por líderes mundiais, mas as intervenções ainda não tiveram o efeito esperado. As últimas sondagens mostram que a retórica anti-UE, que inclui severas críticas à política de imigração, continua a ter forte apelo. Uma pesquisa do instituto Opinium registrou 45% das intenções de voto para o Brexit contra 44% para o Remain. A TNS, por sua vez, deu 43% para o Brexit, e 41% para o campo pró-UE. Já o YouGov indicou 51% para a permanência e 49% para a saída, enquanto a Comres apontou 48% contra 42%, respectivamente.

Divisão pode ser sentida nas ruas

A disputa apertada levou os líderes dos dois lados a se lançarem numa corrida desesperada por diferentes regiões de olho nos indecisos. Enquanto o time de Cameron priorizou a economia, os partidários do Brexit, encabeçados pelo ex-prefeito de Londres Boris Johnson, insistiram no discurso patriótico sobre a necessidade de retomada da soberania nacional. Nigel Farage, líder do Partido pela Independência do Reino Unido (Ukip), de extrema-direita, tentou assumir o protagonismo da campanha. Ele afirmou que foi o Ukip que propagou as principais bandeiras do Leave e até seus slogans, como a ideia de que esta quinta-feira ?é o dia da independência britânica?, frase proferida por Johnson no debate de quarta-feira. Nos últimos dias, defensores do Brexit evitaram a associação com Farage, acusado de xenofobia e racismo.

? Podemos votar por uma mudança real, para devolver o poder ao povo, e retomar o controle de nosso país, nossas fronteiras, nosso orgulho e amor-próprio ? disse, reforçando os ideais nacionalistas que caracterizam o Ukip.

Já Cameron repetiu que a saída da UE afetará o crescimento econômico, empregos e a renda das famílias britânicas.

? Se eu tivesse que resumir a campanha em uma palavra, seria ?juntos?. Juntos podemos enfrentar os desafios do terrorismo e das mudanças climáticas, temos mais condições de melhorar a economia e somos mais capazes conduzir bons acordos comerciais ? declarou ele, em Bristol.

UE repete que ?não haverá outra chance?

Cameron disse que não deixará de lutar pela reforma da UE e, no dia seguinte ao voto, continuaria negociações para rever regras de imigração. Mas o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, mandou um recado duro.

? Não haverá nenhum tipo de renegociação ? avisou Juncker, que ressaltou concessões feitas a Londres pela UE em fevereiro. ? Ele (Cameron) teve o máximo que poderia receber, e demos o máximo que poderíamos dar.

Johnson, por sua vez, repetiu que só o Brexit daria ao país a liberdade para decidir seu destino.

? É hora de romper com o fracassado e disfuncional sistema europeu ? anunciou.

Reforçando o voto pela UE, 1.300 líderes empresariais, entre eles dirigentes de 51 das maiores empresas do Reino Unido, advertiram que o Brexit provocaria um ?choque econômico?. Em contrapartida, cem pequenos empresários defenderam numa carta aberta no ?The Sun? o fim do casamento com Bruxelas.