NOVA YORK – Logo após ganhar o Oscar de melhor filme com “Argo”, em 2013, Ben Affleck, 44, escreveu, dirigiu, produziu e protagonizou “A lei da noite”. O filme, que acaba de chegar aos cinemas, é uma adaptação do livro de Dennis Lehane publicado em 2012, a segunda colaboração entre os dois após o elogiado “Medo da verdade”, de 2007. Agora, a ação é na Flórida, nos últimos anos da era da Proibição, com a Lei Seca em vigor na década de 1930. Os panos de fundo são o crime organizado, a expansão da máfia para o sul do país, o primeiro boom da imigração latino-americana e a popularização das igrejas evangélicas. No centro, está Joe Coughlin (Affleck), um dos personagens mais emblemáticos de Lehane, cuja saga familiar é contada na trilogia encerrada com “World gone by” (2015).
Ex-militar de uma família de origem irlandesa, Joe contraria o pai policial (Brendan Gleeson) e vira um soldado importante no xadrez da contravenção americana. Seus encontros nem sempre amistosos com os personagens de Elle Fanning, Chris Messina, Sienna Miller, Zoe Saldana e Chris Cooper o levam a tentar reorganizar a vida local, mas ele acaba perseguido, de forma trágica, por demônios do passado.
Ao GLOBO, Affleck falou de paralelos entre hoje e a trama passada na primeira metade do século XX. E lembrou mazelas e alegrias de acumular tantas funções num filme. Razão que dá para ter desistido de dirigir o novo “Batman”, escrito e estrelado por ele e previsto para 2018.
Por que escolheu dirigir e atuar em “A lei da noite” logo após “Argo”?
Eu queria viver um protagonista cuja ambiguidade moral fosse explicitada no roteiro. Queria desafiar o público, e a mim mesmo, a simpatizar, a se identificar com um sujeito como o Joe. Queria explorar limites do comportamento, da moral, de um homem que mata muita gente mas que também vive um grande amor, com o personagem da Zoe (Saldana), que constrói uma família binacional e multiétnica, naquele período histórico. E queria me “libertar” de “Argo”, fazendo um filme clássico de gângster.
Se “libertar” da expectativa de ter de fazer algo similar a “Argo”?
Exato. Jamais imaginei que receberia outro Oscar (o anterior, dividido com Matt Damon, foi pelo roteiro de “Gênio indomável”, em 1997). Saí da festa da premiação naquela noite já consciente de que aquilo, provavelmente, não se repetiria. E me permiti usar a, vá lá, credibilidade ali conquistada para fazer algo completamente diferente. “A lei da noite” é, no fim, uma homenagem aos filmes de gângster que sempre amei e me formaram como ator e diretor.
E como uma versão de um filme clássico de gângster vai atrair novas gerações para o cinema?
É uma boa pergunta, e, por outras razões, também esteve presente em “Argo”. Será que veriam aquele filme mais político, apesar de toda a ação e das referências históricas? Espero que o poder de atração, agora, esteja na história do Dennis, no roteiro, nas atuações. E eu me recuso a aceitar que a geração do milênio só goste de filme que tenha smartphone na trama.
Atuar e dirigir ao mesmo tempo não é extremamente complicado? Ora você não tem de privilegiar Ben, o ator, ora Affleck, o diretor?
Acho que hoje, muito por conta de uma maior experiência por trás das câmeras, me tornei um ator mais econômico. E não importa de fato se estou dirigindo ou não, mas, quando estou atuando, minha preocupação é unicamente a relação entre a câmera e o personagem. Consigo esquecer detalhes de produção, se o cenário ficou do jeito que eu queria, se há um ator bêbado no set. Ali, naquele momento, sou eu e só eu. Dirigir são outros quinhentos.
O que você pode adiantar do novo “Batman”?
Que estamos desenvolvendo o roteiro. Que não irei fazer um filme questionando se ele é ou não bom o suficiente para mim. Ou bem a gente faz um roteiro de fato sensacional, e estou imerso nesse processo agora, ou iremos esperar por muito mais tempo do que imaginamos para o “Batman” sair do papel uma vez mais. O critério, no caso do “Batman”, por uma série de razões, a começar pelo tamanho do filme, tem de ser ainda mais rígido do que o normal: ou é sensacional, de fato original, ou não me interessa (dias após a entrevista, “Batman vs Superman”, com Affleck como o Homem-Morcego, recebeu quatro troféus Framboesa de Ouro e foi considerado um dos piores filmes de 2016).
“A lei da noite” é, também, um tributo à Hollywood do entre-guerras, não?
Sim, é uma maneira de agradecer àqueles cineastas. A cena mais meta é a em que levo Joe, um veterano na Primeira Guerra Mundial, para o cinema, e ele vê na tela grande a eclosão de um novo conflito de proporções gigantescas na Europa. É irônico, triste, e remete a um tempo em que as pessoas iam aos cinemas para serem informadas, antes da televisão, algo impensável para nossa era da notícia em tempo real. Os millenials vão se surpreender…
ATOR ESTARIA PRESTES A ABANDONAR O PAPEL?
Em dezembro, Ben Affleck já dizia que as ideias para a direção do novo ?Batman? ainda estavam engatinhando. Tudo dependeria do roteiro, uma vez mais a seus cuidados, em parceria com Geoff Johns, também responsável pelos novos ?Mulher-Maravilha?, com lançamento em junho, e ?Aquaman?, em 2018. Um mês depois, Affleck declarou que não gostaria de repetir a experiência de dirigir e atuar num mesmo filme. Semana passada, a Warner Bros anunciou que o diretor será Matt Reeves, de ?Planeta dos macacos? (o novo estreia em julho).
Os rumores de que Affleck poderia abandonar também o personagem aumentaram após as declarações do estúdio e de Reeves. O diretor foi saudado pela capacidade de ?reinventar novos mundos?. Mas não há qualquer referência ao ator, que também fez ponta como o cavaleiro negro em ?Esquadrão suicida? e ?Liga da Justiça?, de Zack Snyder, que estreiam em novembro. A busca de um novo Batman seria uma tremenda complicação para a Warner, especialmente interessada na reinvenção no cinema de um dos principais personagens da DC Comics.
*Especial para O GLOBO, de Nova York