“Sou natural de Indianápolis (EUA), tenho 61 anos, dois filhos e trabalho com exames admissionais para empresas. Minha atividade no ramo do teste de drogas se estendeu para o Brasil, de onde analiso amostras de cabelo para determinar se motoristas profissionais estão habilitados a dirigir.”
Conte algo que não sei.
Ao contrário dos EUA, cujo departamento de transportes ainda tem a urina como principal tipo de amostra em testes de drogas, o programa adotado pelo Brasil priorizou o cabelo nas avaliações, o que representa, na minha opinião, uma tomada de liderança global. Até porque os americanos se encarregam da maioria dos exames de outros países. O fio capilar é mais completo, na medida em que pode detectar o uso de drogas por, no mínimo, 90 dias.
E como o cabelo consegue guardar informações por tanto tempo?
Quando alguém consome uma droga, ela geralmente leva entre um e três dias para ser eliminada do organismo. No caso do fio de cabelo, a substância é incorporada ao bulbo capilar através da corrente sanguínea e não tem como sair de lá. Nesse caso, o exame pode detectar um consumo de drogas a longo prazo e traçar um histórico de uso. O mesmo raciocínio vale para o pelo.
O exame de cabelo poderia ter outras utilidades?
Certamente. O teste de drogas em geral pode ir além da aplicação no transporte. Alguns empregadores nos EUA utilizam exames toxicológicos para promover um ambiente de trabalho livre de drogas, onde os funcionários estejam seguros e não percam produtividade. Há estudos por lá que mostram que empresas abertas à política de testes sofrem menos com acidentes de trabalho.
Por que o Brasil vai passar a ter um laboratório próprio para examinar cabelo?
Desde março de 2016, todos os motoristas de caminhões, ônibus e vans do Brasil são obrigados a fazer o teste do cabelo se quiserem tirar ou renovar a carteira de habilitação. Com isso, milhares de amostras hoje são levadas para os EUA. É uma logística complexa, que prolonga o ciclo do teste e tem um custo adicional. Um laboratório no Brasil diminuiria os gastos e possibilitaria um serviço mais ágil.
Falando em caminhões, é senso comum no Brasil que os motoristas desses veículos costumam usar drogas para se manterem vigilantes ao volante durante a noite. O resultado dos testes corrobora com essa afirmação?
Eu não tenho como dizer que isso é verdade, mas, entre as categorias de motoristas que participam do teste, os resultados mostraram que o principal positivo para drogas no Brasil, em cerca de 70% das amostras, se deve à cocaína. Esse número sugere que talvez o consumo não esteja ligado necessariamente à recreação, mas também ao uso ocupacional. Os caminhoneiros preferiam anfetaminas, mas trocaram de substância porque a cocaína é mais barata e acessível. No entanto, ambas levam o usuário a se drogar mais, porque a dependência causa a impressão de que a quantidade empregada não tem o mesmo efeito de antes.
Você participou do controle antidoping nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996. Como foi a experiência?
Lembro que surgiu uma nova droga na época, o psicoestimulante bromantan. Também fui responsável pelos procedimentos laboratoriais durante os Jogos Panamericanos de Indianápolis de 1987 e encontrei atletas usando outra novidade, a probenecida. Parece que a cada Olimpíada alguma coisa diferente aparece.