RIO – ?Esta carta está meio esculhambada. Se eu for parar para caprichar, nunca que termino. Um grande abraço pra você, pra Cecília e pra todos aí. Aliás, meio na brincadeira, outro dia comecei a botar letra num chorinho do Francis Hime que é mais ou menos assim?, escreve Chico Buarque para o diretor teatral Augusto Boal, então exilado em Lisboa, em uma carta datada de 25 de julho de 1975. Em seguida, Chico mostra o rascunho dos versos do que viria a ser a canção ?Meu caro amigo?. No ano seguinte, Boal recebeu uma fita cassete com a música. É a fita onde o amigo manda notícias do Brasil e ?um beijo na família, na Cecília e nas crianças?.
A carta e a gravação estão na exposição ?Meus caros amigos ? Augusto Boal ? Cartas do exílio?, que abre hoje no Instituto Moreira Salles (IMS) e apresenta pela primeira vez a correspondência do diretor e criador do Teatro do Oprimido com amigos, poetas, escritores, atores e intelectuais. As cartas compreendem o período entre 1971 e 1986 e fazem parte do acervo do Instituto Augusto Boal, comandado pela viúva do diretor, Cecília Boal.
? As cartas são individuais e coletivas ao mesmo tempo, pois trazem observações do contexto histórico, cultural e político do momento em que foram escritas ? afirma o curador Eucanaã Ferraz. ? O assunto principal é o trabalho, o teatro. Tudo gira em torno disso. As cartas também deixam entrever o carinho dele pelos interlocutores.
Augusto Boal assumiu a direção do Teatro de Arena em 1956, a convite de Sábato Magaldi e Zé Renato. O grupo promoveu uma revolução estética no teatro brasileiro nas décadas de 1950 e 1960 e, após o golpe de 1964, seus membros passaram a sofrer com cerco da ditadura militar. Em fevereiro de 1971, Boal foi preso e torturado por dois meses. Após deixar a prisão, partiu para o exílio em Buenos Aires.
? Ele era muito otimista, muita gente falava que ele podia ser preso, mas o Boal não acreditava ? lembra Cecília, em um dos depoimentos em vídeo da exposição.
Os anos fora do país foram muito produtivos para Boal. Na Argentina, ele desenvolveu a estrutura teórica do Teatro do Oprimido. Cinco anos depois, com o golpe militar no país, o diretor e a família foram obrigados a se exilar novamente, agora em Lisboa. No entanto, o passaporte de Boal tinha sido cassado pela ditadura brasileira. As cartas mostram sua angústia com a situação: multiplicavam-se os convites do exterior por causa da repercussão do seu trabalho, mas ele não podia atendê-los. Foi preciso entrar com um processo contra o governo para conseguir o documento.
Após dois anos em Portugal, Boal se mudou para Paris, onde pôde criar um centro para pesquisa e difusão do Teatro do Oprimido. É neste período que ele recebe uma carta da atriz Fernanda Montenegro, escrita no dia da votação da emenda pelas eleições diretas para presidente, em abril de 1984: ?Espero que, ao acordar, as ?Diretas-já? tenham sido aprovadas. O Congresso está cercado pelo exército. Dizem que pra proteger as instituições! Deus nos acuda. Censura geral?.
Apesar da torcida de Fernanda, a emenda não passou, e Boal só retornou ao Brasil em 1986, após o início da redemocratização. Sua correspondência mostra que a ditadura que o torturou e exilou lhe causou imensa dor, mas não impediu o desenvolvimento da sua arte.
?Meu caro amigo ? Augusto Boal ? cartas do exílio?
Onde: Instituto Moreira Salles (Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea).
Quando: Abertura hoje, às 17h; de ter. a dom., das 11h às 20h; até 21/8.
Quanto: Entrada franca.
Classificação: Livre.