?Não escolhi o carnaval, tive a sorte de ter nascido entre confetes e
serpentinas. Minha família é a mais antiga de carnavalescos em Nice. Meu avô
começou em 1897, e, durante 60 anos, foram meus familiares que fizeram o carro
alegórico do Rei do Carnaval. Com muita honra, sou cidadã honorária do Rio de
Janeiro?
Conte algo que não sei.
O carnaval de Nice já foi o maior do mundo e influenciou
bastante o do Rio. Em 1889, a Princesa Isabel, frequentadora do carnaval
niçois, trouxe para o Aterro do Flamengo a Batalha das Flores que
acontecia na orla da cidade francesa. Já existia um carnaval aqui, mas era,
sobretudo, de bailes da sociedade. Esse foi o ponto inicial que estruturou a
festa com carros alegóricos que conhecemos hoje. Foi uma grande influência de
Nice, mas, como dizem, o aluno superou o mestre. As duas cidades continuam muito
ligadas pelo coração. Aliás, a orla de Copacabana é muito similar à orla da
Promenade des Anglais. Dá até dizer que o carioca se sente em casa em Nice,
assim como o niçois (morador de Nice) se sente em casa aqui.
O que é a Batalha de Flores?
É uma tradição muito peculiar do carnaval de Nice. No
início, a festa era feita apenas com carros alegóricos, bonecos e fantasias.
Mas, em 1876, depois de uma disputa por causa do prêmio, o comitê do carnaval
decidiu criar um desfile especial, que se chamou Batalha de Flores, na Promenade
des Anglais. É como se aqui no Rio houvesse um desfile no Sambódromo e outro na
orla de Copacabana. Os carros da Batalha ainda são totalmente diferentes dos que
vão à Sapucaí, e seus figurantes jogam flores para o público. Este ano,
infelizmente, o desfile não aconteceu na Promenade em respeito às vítimas dos
atentados terroristas.
Por causa da diferença de hemisfério, o carnaval em Nice acontece
no inverno e não no verão, como nós brasileiros estamos acostumados.
Pela tradição do carnaval na Europa, a festa sempre acontece no inverno. Em
Nice, por ficarmos mais ao sul, o clima é bem agradável nessa época. Com sol, a
temperatura fica em torno dos 24 graus. Para as pessoas do norte, é como se
fosse verão. Para os brasileiros, é um pouco frio. Selminha Sorriso precisou
usar uma segunda pele durante nosso carnaval.
Qual a comparação que a senhora faz entre o carnaval de Nice e o
do Rio?
É um pouco diferente. Ainda estamos desenvolvendo uma
cultura de blocos de rua, mas não é tão forte quanto aqui. O carnaval aqui é
mais que uma festa. É um tipo de terapia. Podemos chamar de ?carnaterapia?.
O que mais?
Temos muito do Brasil no carnaval niçois. Jorge
Amado e Gilberto Gil já foram jurados do nosso desfile. Também já recebemos
vários carnavalescos célebres, como Joãozinho Trinta e Maria Augusta. Sem contar
que muitas escolas cariocas já se apresentaram lá. Muitos dos nossos
carnavalescos que vêm ao Rio comprar fantasias. Sempre que estou aqui, meus
amigos pedem que eu leve alguma coisa da Uruguaiana.
Em Nice, vocês têm algo parecido com o samba enredo?
Nós tínhamos canções oficiais, mas o costume acabou nos
anos 1970. Um fato curioso é que no ano de 1958 a música oficial do carnaval se
chamava o ?La Samba Brésilienne? (?O Samba Brasileiro” ) e era uma rumba. Sabia
que algumas marchinhas do carnaval brasileiro vieram da França? É o caso da ?Zé
Pereira?, que, originalmente, é uma música-tema francesa.
Existe alguma relação entre o Rei do Carnaval de Nice e o nosso
Rei Momo?
Na França, o Rei do Carnaval é representado por um manequim gigante. Mas
nossa Rainha também é de carne e osso.