RIO – Desde que assumiu definitivamente a Presidência da República, há pouco mais de um mês, o presidente Michel Temer encarava o desafio de transformar a aliança de ocasião para o impeachment numa base parlamentar ampla e sólida, capaz de levar adiante uma agenda econômica impopular, que não passou pelo crivo das urnas e que requer tramitação urgente. Temer provou ontem à noite, na votação do teto de gastos, que tem cacife para formar maioria no Congresso Nacional. E isso tende a alimentar a expectativa positiva de que o Brasil vai encaminhar reformas estruturantes capazes de evitar a implosão final das contas públicas.
Foi impressionante a movimentação política do Palácio do Planalto, o avesso dos 18 meses finais de Dilma Rousseff. Ciente de que a retomada da economia é condição sine qua non para o sucesso de sua administração até 2018, Michel Temer pôs em marcha, por dias, uma operação de guerra junto aos deputados e aos líderes partidários: ligou pessoalmente, mandou emissários, organizou jantar, foi rápido na resposta (direta e de terceiros) à inadequada oposição da Procuradoria-Geral da República. Havia sido eficiente já no convencimento do setor produtivo, vide as quatro páginas de anúncios nos jornais do último domingo, com todas as principais entidades patronais apoiando a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241.
Na votação da noite de segunda, Temer obteve 366 votos, muito acima dos 308 requeridos por uma emenda constitucional. Decomposto, o resultado é claro sobre a coesão da base parlamentar. Votaram a favor 64 dos 68 deputados do PMDB; 23 dos 25 do DEM (o presidente da Casa, Rodrigo Maia, não votou por presidir a sessão); os 47 presentes do PSDB; 38 dos 40 do PR; 41 dos 43 deputados do PP em plenário; 12 dos 13 do Solidariedade; 14 dos 15 do PTB; 6 dos 7 do PPS…
O governo, porém, não deveria tomar a votação de ontem como certeza de que passará o ajuste fiscal sem grandes dramas e sem grandes debates com a sociedade civil.
No Senado, os interesses dos estados ? tanto os tratados diretamente na PEC, como os desembolsos em Saúde, como os paralelos, que podem ser usados como moeda de troca, como ajuda emergencial diante de caixas estaduais vazios ? estarão mais reluzentes.
A sociedade civil também tende a se mobilizar mais para a segunda votação na Câmara e os dois turnos no Senado, por entender que suas demandas estão sendo ignoradas. Temer poderia ter se dedicado às frentes em defesa dos recursos para Saúde e Educação tanto quanto à base em geral e aos empresários. Promover o debate com a sociedade pode ajudar a esclarecer o próprio ponto de vista do Planalto e da Fazenda.
Afinal, vários economistas renomados, e nada ?de esquerda?, têm séria preocupação com o congelamento, na prática, das despesas essenciais por 20 anos. Especialmente com a Saúde, já que há recursos da Educação fora do alcance da PEC. O Brasil está envelhecendo e precisa de um SUS robusto, embora também eficiente. É legítima a preocupação de segmentos da sociedade, e a urgência do controle da grave situação fiscal não pode subestimar o diálogo.
Por último, passar a PEC do teto de gastos não antecipa que passará a Reforma da Previdência, que também é emenda constitucional e peça do ajuste fiscal. A aposentadoria é sagrada para os brasileiros, os direitos previstos em legislação são amplamente conhecidos e o tema ainda despertará a fúria corporativista ao equiparar as regras dos trabalhadores dos setores privado e público, de todos os Poderes. Aposentadorias, pensões e benefícios são hoje a principal fonte de pressão sobre as contas públicas. Sem mexer nos regimes previdenciários, a aprovação do teto de gastos terá sido apenas uma vitória.
Portanto, o governo não deve se acomodar com o rolo compressor de segunda à noite; deve se aprimorar e se manter vigilante para não morrer na praia.