?Coragem e confiança!? ? sugeriu o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em carta aos seus colegas, divulgada na noite de terça-feira, pouco depois de pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) autorização para abrir 83 inquéritos contra um de cada quatro integrantes do Congresso Nacional.
As novas investigações devem ser autorizadas na próxima semana. Baseiam-se em documentação coletada no Brasil, Estados Unidos e Suíça, complementada pelos testemunhos de 78 executivos do grupo Odebrecht num acordo judicial ?histórico? ? ele definiu ? negociado durante 11 meses, de fevereiro a dezembro do ano passado.
Se obtiver o aval do Supremo, Janot vai aumentar em 385% o estoque de apurações pendentes na sua mesa de trabalho, a apenas cinco meses do término do segundo mandato, em setembro. Tem sido aconselhado a não se candidatar outra vez.
A Lava-Jato completou o terceiro aniversário neste fim de verão. Dois anos atrás, na tarde de sexta-feira 6 de março, ele entrou no Supremo com pedidos de 28 investigação. Era sua primeira ?lista?. Nela havia 47 nomes de políticos com foro privilegiado.
Na rotina judiciária, inquérito é sinônimo de averiguação. Na política, pode provocar constrangimento em alguns. Nada além. Nos últimos dois anos, com poucas exceções, não foi suficiente nem mesmo para impedir que parlamentares investigados continuem dominando áreas-chave do Congresso e do governo.
Passaram-se 738 dias. Do lote inicial até ontem, Janot havia convertido 20 inquéritos em denúncias ao STF. Denúncia é a peça inaugural de uma ação penal. Das duas dezenas de processos criminais pedidos pelo procurador-geral, o Supremo até agora só aceitou meia dúzia. Dois deles eram contra o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ? cassado em setembro do ano passado, seus casos foram remetidos à primeira instância judicial, que decidiu mantê-lo preso em Curitiba por obstrução à Justiça.
Somado o estoque de 2015 com o atual, o chefe dos procuradores agora acumula 97 inquéritos contra políticos com mandato. Nesse conjunto, Janot vislumbra ?reflexos metajurídicos? ? não se sabe exatamente o que isso significa, mas foi como ele definiu na carta aos colegas. Enxerga, também, ?uma oportunidade ímpar de depuração do processo político nacional? ? os críticos de Janot, que já não são poucos até mesmo na procuradoria, perceberam nessa avaliação um viés de messianismo.
TEMPO JURÍDICO
Mais relevante é o jogo com o tempo. Janot levou quase uma centena de novos pedidos de inquérito a um Supremo que já está congestionado por 460 processos contra parlamentares, pelos mais diferentes motivos.
O tribunal encerrou 2016 com nada menos que 357 inquéritos autorizados e 103 ações penais em curso (apenas quatro são de Janot na Lava-Jato) contra políticos com mandato, em todo o país.
?As estatísticas evidenciam o volume espantoso de feitos e a ineficiência do sistema?, registrou dias atrás o ministro Luís Roberto Barroso em crítica ao foro privilegiado. ?O sistema é feito para não funcionar?, acrescentou. ?Mesmo quem defende a ideia de que o foro por prerrogativa de função não é um mal em si, na sua origem e inspiração, não tem como deixar de reconhecer que, entre nós, ele se tornou uma perversão da Justiça.?
Na Lava-Jato, os empresários envolvidos na investigação já foram descobertos, presos e quase todos cumprem sentenças. Muitas das empresas participantes estão, literalmente, fechadas, outras sobrevivem semiparalisadas, em estado pré-falimentar. Os empregos de dezenas de milhares de pessoas foram destruídos ? a Odebrecht, por exemplo, já demitiu mais de 50 mil empregados.
Nesses 36 meses, porém, muito pouco se avançou no outro lado da engrenagem, onde o foro privilegiado foi usado para encobrir corrupção, abuso do poder econômico e político, ironicamente sempre em nome da democracia.
Os 83 novos pedidos de inquéritos, na prática, podem acabar ajudando a velha e a nova oligarquia, com privilégio de foro especial, naquilo que hoje ela mais precisa: tempo, um fator vital na política. Isso porque inquérito é investigação, depois dele é que pode vir ? ou não ? a denúncia, o processo criminal, e finalmente o julgamento.
Na primeira instância, como ocorre em Curitiba, o tempo médio entre apuração, ação penal e sentença tem sido de 450 dias. No Supremo, a média de tempo para julgamento de réus com foro privilegiado foi de cinco anos entre 2011 e 2015, período em que o tribunal se impôs ?celeridade? no caso do mensalão. Janot aumentou esse prazo, ao pedir novos inquéritos em vez de denúncias.
TEMPO POLÍTICO
O tempo para os políticos sob investigação é outro. Faltam 19 meses para as eleições. Serão 570 dias de travessia até a eventual renovação do mandato, e do foro privilegiado. Prazo bem menor que os 738 dias necessários para a procuradoria abrir um inquérito, apresentar a denúncia e ela ser aceita pelo Supremo, como constatou o deputado federal Vander Loubet (PT-MS), figurante da primeira lista de Janot que se tornou réu na última terça-feira por corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Esse período até à votação de 2018 é suficiente para acertos legislativos sobre anistia ao caixa 2, mudanças no financiamento de campanhas e na forma de escolha dos candidatos, com adoção do voto em lista, onde quem escolhe o candidato não é o eleitor mas os chefes da burocracia dos partidos, quase todos acusados na Lava-Jato e no Mensalão. Quem precisar de foro terá primazia na vaga de candidato. Ninguém será punido pelos partidos.
Essa é a agenda em discussão, como mostrou o encontro de ontem dos presidentes da República, do Tribunal Superior Eleitoral, da Câmara e do Senado. Visto de outra forma, foi uma reunião dos investigados Michel Temer, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira com Gilmar Mendes, juiz do caso Temer-Dilma no TSE e de Maia e Oliveira no Supremo.
Os poucos aliados de Janot no Congresso agora enfrentam um problema: como argumentar no plenário contra a anistia ao caixa 2 e o voto em lista que dá poder a investigados, se depois de dois anos apurando o procurador-geral afirmou ao Supremo que ainda não encontrou crimes para denunciar?