Cotidiano

Ana Paula Cavalcanti Simioni, professora: 'As mulheres foram classificadas como amadoras'

“Tenho doutorado em Sociologia pela USP, onde sou professora e pesquisadora desde 2009, com ênfase na questão arte e gênero. Pesquiso sobre mulheres artistas desde 2000. Dar aula é uma satisfação enorme. É onde acho que a minha profissão faz sentido.”

Conte algo que não sei.

A primeira artista plástica a ser premiada, em 1884, é do interior do Rio de Janeiro, da cidade de Vassouras, e se chamava Abigail de Andrade. A premiação foi da Exposição Geral de Belas Artes. Ela foi uma pintora muito atuante entre 1881 e 1884. Pioneira, teve bom reconhecimento da crítica, fez várias exposições, mas, infelizmente, nenhum museu público tem obras dela. Ela se mudou cedo para a capital, para estudar no Liceu de Artes e Ofícios, a primeira instituição pública com nível próximo ao ensino superior para as mulheres. No Rio, foi aluna de Ângelo Agostini, dono da revista Illustrada. Eles se apaixonaram. Foi uma reviravolta à época porque ele era casado. Grávida do segundo filho dele e morando na França, assim que o bebê nasce ele morre de tuberculose e ela também. Apesar de curta, foi uma trajetória muito rica. É triste que sua obra fique apenas em coleções privadas.

Por que isso acontece?

As instituições da época não tinham um olhar para as mulheres, o que foi gerando vários empecilhos ao longo do tempo. No Brasil, isso não é uma questão de política afirmativa apenas, a questão é que historicamente as mulheres foram classificadas como amadoras. Os críticos de arte viam as mulheres à maneira do seu tempo, como seres sem plena capacidade. Tudo isso contribuiu para a produção de uma amnésia. É a história de que desconhecimento gera desconhecimento, assim como conhecimento gera mais conhecimento.

O que muda quando as mulheres chegam à universidade?

Elas podiam ganhar prêmios acadêmicos importantes e o reconhecimento passa a vir de outra forma. A academia no Brasil abre a possibilidade de inscrição para as mulheres a partir de 1892, e no ano de 1893 você já tem alunas. Com a transformação do regime (da monarquia para a República), é feita uma lei em que os cursos superiores passam a admitir mulheres. Esses cursos eram medicina, direito, engenharia e a escola de belas artes. Antes disso, elas só podiam pensar em Medicina porque tinham formação de parteiras.

O que chama atenção entre as primeiras acadêmicas artistas?

Há obras que até chegaram a museus, mas ficaram em reservas técnicas. Foi o caso de Julieta de França, uma escultora nascida em Belém, no Pará, e filha de músicos, que veio para o Rio onde fez parte do primeiro grupo de alunas da Escola Nacional de Belas Artes. Ela ganhou o prêmio de viagem ao estrangeiro em 1900. Era o prêmio máximo da academia, apenas um por ano. Todos os homens que ganharam entraram para a história. Mas pouco se sabia sobre essa mulher, quando comecei a pesquisar. Há obras dela na reserva técnica do Museu Nacional de Belas Artes, sem ser exibida, onde está escrito “participou do Salão da França de 1903 e obteve menção honrosa”. Quantos artistas brasileiros foram para Paris, passaram cinco anos, conseguiram expor no salão e obtiveram menção honrosa? Ela foi para a França, estudou, ganhou prêmio, foi aluna de Auguste Rodin. Como ela não entrou para a História?

Como o público poderia conheça as obras dessas mulheres?

O MASP e o MAM, por exemplo, ou o MoMA, nos EUA, foram formados com doações, mas acho que nossa elite, hoje, tem pouca sensibilidade para essas questões, além de uma desconfiança em relação à capacidade das instituições públicas no Brasil de cuidar das obras. Precisamos encontrar uma solução.