BRASÍLIA ? Se o indicado pelo presidente Michel Temer for aprovado em votação no Senado, Alexandre de Moraes chegará ao Supremo Tribunal Federal (STF) com a missão árdua de enfrentar o segundo gabinete mais cheio da corte, com 7.574 processos aguardando julgamento. Isso sem contar as ações que seu antecessor, Teori Zavascki, morto em um acidente de avião no último dia 19, tinha pedido vista para votar depois que analisasse melhor. Uma delas é a ação que discute a liberação da maconha para uso pessoal. Moraes já defendeu que usuários e pequenos traficantes não sejam presos.
Até agora, três ministros votaram pela descriminalização do porte. A expectativa é de que Moraes siga na mesma linha dos futuros colegas. Em junho do ano passado, o atual ministro da Justiça disse que a discussão sobre descriminalização de drogas ocorreria no Judiciário, e não no governo Temer. E ressaltou que, no Brasil, o usuário não pode ser preso.
? Isso será analisado pelo Supremo Tribunal Federal, como já está ?sub judice?. O que é importante é a tese que o Brasil já adotou há um tempo que impossibilita a pena privativa de liberdade ao usuário, porque é uma questão de saúde pública _ declarou.
Em junho, Moraes defendeu penas alternativas para pequenos traficantes, sem antecedentes, que vendem droga para, geralmente, bancar o vício.
? Aquela pessoa que, para consumir uma pedra de crack acabou traficando cinco ou seis outras pedras, e foi pega pela primeira vez, está muito mais próxima do usuário do que do médio e grande traficantes. Estes, sim, devem ser combatidos ? afirmou Moraes.
Em entrevista recente ao GLOBO, Moraes ressaltou a importância da pena de prisão para traficantes reincidentes, sem qualquer possibilidade de aplicação de penas alternativas. Essa é a interpretação da lei que os tribunais brasileiros costumam usar.
? No caso do tráfico, mesmo de pequena quantidade, se for reincidente a lei considera crime hediondo. Não há discricionariedade para nenhuma interpretação _ disse.
Na semana passada, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, declarou apoio à legalização da maconha e, se a experiência desse certo, poderia ser estendida para a cocaína. Ainda não se sabe a opinião de Moraes sobre o assunto. Em agosto, Moraes participou de uma ação conjunta do Brasil com o Paraguai de combate às drogas e foi filmado cortando plantações de maconha com um facão.
Em setembro de 2015, três dos onze ministros do STF tinham votado pela liberação do porte de maconha para uso pessoal: Gilmar Mendes, Edson Fachin e Barroso. Os três declararam inconstitucional o artigo 28 da Lei de Drogas, que considera criminoso quem adquire, guarda, transporta ou leva consigo drogas para consumo pessoal. A discussão sobre legalização só poderá ser feita no Congresso Nacional, se for de interesse dos parlamentares.
Teori pediu vista para elaborar um voto e ainda não tinham planos de quando devolveria o caso ao plenário do tribunal. Ele estava sobrecarregado com os processos da Lava-Jato, que eram prioridade em seu gabinete. Sem esse fator, Moraes poderá ter mais liberdade para apontar outras prioridades entre os processos que herdará. Na semana passada, o ministro Edson Fachin foi sorteado o novo relator da Lava-Jato no STF.
Entre os processos que estão no gabinete de Teori está o que pode determinar o rumo das investigações contra o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), e o cumprimento da sentença de prisão do senador Ivo Cassol (PP-RO). Ambos os casos eram relatados por outros colegas de tribunal, chegaram a ir a julgamento, mas foram interrompidos por pedidos de vista de Teori. O mesmo ocorreu no debate sobre se o poder público tem a obrigação de fornecer medicamentos de alto custo a pacientes sem condições financeiras.
Em julgamento iniciado em 14 de dezembro, Edson Fachin, relator da ação que questiona a necessidade de autorização prévia da Assembleia Legislativa de Minas para abertura de ação penal contra Pimentel, disse que a exigência é inconstitucional. Mas Teori pediu vista, interrompendo a análise do caso. Há duas denúncias contra Pimentel no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, por enquanto, não podem ser aceitas em razão dessa restrição. Caso a exigência caia, abrirá caminho para Pimentel se tornar réu por lavagem de dinheiro e corrupção passiva em processos relacionados à Operação Acrônimo.
Um pedido de vista de Teori também vem impedindo o começo do cumprimento da pena imposta ao senador Ivo Cassol, condenado em agosto de 2013 pelo STF a quatro anos, oito meses e 26 dias de prisão. Em setembro do ano passado, no julgamento de um recurso, cinco ministros votaram pela revisão da pena, tirando Cassol do regime semiaberto e determinando a mera prestação de serviços comunitários. Outros cinco ministros votaram pela manutenção da punição anterior. Caberá ao novo ministro do STF desempatar. Cassol continuará em liberdade até que o processo volte ao plenário.
Em setembro de 2016, Teori pediu vista no processo sobre o fornecimento de remédios de alto custo pelo poder público a pacientes que, sem condições financeiras para arcar com o tratamento, recorrem à Justiça. Até Teori interromper o julgamento, apenas três ministros já tinham votado ? o relator, Marco Aurélio Mello, Barroso e Fachin. Cada um dele tinha apontado para regras diferentes.
Teori também era relator de vários processos sobre a legislação trabalhista ? uma espécie de reforma trabalhista a cargo do STF. O tema é de grande interesse do governo de Michel Temer. Entre os processos que aguardam julgamento, um deles questiona a possibilidade de redução da jornada de servidores públicos junto com a diminuição do salário. Segundo o artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal, o poder público pode adotar essa medida de forma temporária, se tiver ultrapassado os limites de gastos definidos para a folha de pagamento.
O gabinete de Teori é o segundo mais lotado de processos, perdendo apenas para o de Marco Aurélio Mello, que tem 8.051 ações aguardando decisão. Um dos motivos é que Marco Aurélio recusa a receber ajuda de juízes auxiliares. Normalmente, é oferecida a ajuda de dois juízes por gabinete. Teori tinha três, por conta da demanda da Lava-Jato.