“Tenho 59 anos e nasci em Oxford, Inglaterra. Há 30 anos, conheci Augusto Boal, de quem fiquei amigo e traduzi cinco livros para o inglês. Decidi fazer um experimento com a sua criação, o Teatro do Oprimido, e fundei a companhia Cardboard Citizens, que há 25 anos emprega moradores de rua como atores.”
Conte algo que não sei.
O teatro pode ajudar as pessoas a verem quem são. Do que gostam ou não. Onde estão no mundo e como gostariam que ele fosse. Pode ser também o catalisador da mudança.
O dramaturgo David Hare diz que o teatro deveria se preocupar menos com temas sentimentais e olhar para as questões sociais. Concorda?
Teatro pode ser uma coisa frívola, um entretenimento. Não tenho interesse nisso. As pessoas falam sobre querer fazer mudança, mas o que isso quer dizer? Além do trabalho cênico, que é o motor da companhia, ajudamos essas pessoas a mudarem. Isso pode ser em relação a questões de moradia, educação, vício e saúde mental, por exemplo. Para a mudança realmente acontecer, é preciso apoio. O teatro é quase uma mágica, mas ainda é arte. A arte pode fazer as pessoas pensarem diferente, mas não pode mudar as coisas. As pessoas mudam as coisas. Contar histórias que não estão sendo contadas e, através disso, ajudar pessoas a se tornarem mais fortes e confiantes: posso dizer, com certeza, que isso muda o mundo.
Qual a importância de os atores representarem uma situação com a qual se identificam?
Nas nossas peças, apesar de trabalharmos com histórias reais, nunca é o dono daquela história quem vai interpretá-la, dar voz a si mesmo no palco. Não é uma confissão. Deve haver um distanciamento para a arte, e há um peso em ensaiar e repetir a sua dificuldade noite após noite. Mas adiciona poder à experiência quando você sabe que a pessoa que conta a história realmente sabe algo sobre ela. Acho que as pessoas estão cansadas e suspeitam, com razão, de que tudo que veem é mentira. E parece que mentiras ganham eleições, como acabamos de ver no meu país. Vocês também têm os seus problemas aqui. Acho que as pessoas têm uma fome de verdade.
O teatro pode ser um meio mais eficaz de contar a verdade?
Nós, agora, entendemos como o filme pode ser muito manufaturado, e a TV pode não ser confiável. Quando estamos num quarto com alguém, podemos fazer nosso próprio julgamento. E queremos acreditar, porque estamos cheios de tudo que temos que aguentar. O teatro é uma experiência ao vivo, é especial estar em um quarto com as pessoas. Acho que elas realmente querem que a arte conte a verdade.
Por serem pessoas em situação de vulnerabilidade, fica mais evidente a intenção do Teatro do Oprimido de “ensaiar a realidade” ?
Com certeza. A maior parte das pessoas não vai seguir carreira de ator. Elas vêm por motivos diferentes, muitas vezes porque é um espaço seguro, saudável. O que muitas dizem é que é um espaço onde não serão julgadas. Mas não é por isso que não vou ter um alto nível de exigência em relação a elas. Faço teatro, e quero que seja arte de boa qualidade. Não tenho receio em cobrar bons resultados, e as pessoas gostam assim. A boa arte também é terapêutica, mas não é só isso.
Muitos artistas passaram pela experiência de não ter casa, e o tema é recorrente na arte. Como isso pode ser usado sem romantizar a pobreza?
Estar sem casa é uma das experiências mais extremas que uma pessoa pode encarar. Shakespeare usa isso em “Rei Lear”. Metade da Europa hoje está cheia de gente sem casa, refugiados, são grandes números de pessoas. Tudo que elas têm é o que têm por dentro. Ser sem-teto deixa você com os seus próprios recursos.