Em 2015, a Assembleia Geral da ONU aprovou os novos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável, dando seguimento às Metas do Milênio. Um desses objetivos, previstos para serem implantados nos próximos 30 anos, é a democratização do acesso à Justiça, considerado um direito fundamental e essencial à garantia dos direitos dos cidadãos.
Em recente relatório, a ONU reconheceu o grave problema da elitização da Justiça e apontou a positiva experiência brasileira com a criação da Defensoria Pública, assegurando a todos os que precisam assistência jurídica integral e gratuita, atuando com independência e prerrogativas compatíveis com essa missão.
Coerente com as diretrizes da ONU e da Organização dos Estados Americanos (OEA), desde 2004, a Defensoria Pública brasileira possui autonomia funcional, administrativa, a iniciativa de sua proposta orçamentária, cabendo ao Poder Executivo, como previsto no artigo 168 da Constituição da República, repassar a cota mensal de seus recursos orçamentários (duodécimo) até o dia 20 de cada mês.
A previsão da autonomia, a exemplo do que ocorre em outros países, garante à Defensoria Pública as ferramentas indispensáveis para assegurar o acesso à Justiça à população vulnerável e carente do país.
O modelo de acesso à Justiça público, adotado pelo Brasil por meio das defensorias, além de mais barato, segundo recorrentes pesquisas, é mais eficiente na medida em que o defensor público, impedido de advogar, dedica-se exclusivamente à prestação da assistência jurídica ao cidadão.
Para exercer a sua missão constitucional, livre de ingerências externas, eventuais pressões de gestores ou retaliações orçamentárias, a Constituição previu a autonomia da Defensoria Pública, sem, contudo, deixar de prever os indispensáveis mecanismos de controle por meio dos tribunais de contas e do Poder Legislativo.
Apesar de ser um órgão público, a Defensoria Pública frequentemente litiga contra o Estado ou contra a União, como no caso das demandas para fornecimento de medicamentos, para vagas em UTIs e direitos previdenciários, sinal de que a previsão da autonomia para o órgão que garante o acesso à Justiça faz parte do processo de amadurecimento da democracia e das instituições no Brasil.
Além disso, como bem ressaltou o ministro Luís Roberto Barroso em recente julgamento no Supremo Tribunal Federal, a Defensoria Pública está do lado oposto do Ministério Público no processo penal, razão pela qual a proximidade de tarefas entre as duas instituições revela o acerto do tratamento paritário.
A última década foi marcada pelo fortalecimento e estruturação das defensorias públicas, pela sua instalação em todos os estados do Brasil, bem como pela determinação dos congressistas, por meio da Emenda à Constituição nº 80, da atuação de ao menos um defensor público em todas as comarcas brasileiras, o que, no plano ideal, garantirá o acesso à Justiça a toda população carente.
Para superar as dificuldades pelas quais o país atravessa, é preciso observar o cumprimento da Constituição Federal. Retroceder na conquista da autonomia da Defensoria Publica significaria a submissão da população por ela assistida aos ditames do Poder Executivo, além de fulminar os objetivos da instituição que busca, no plano jurídico e das políticas públicas, a superação das desigualdades econômicas que atingem grande parte da população, especialmente no atual momento de grave crise financeira.
André Castro é defensor público-geral do Rio de Janeiro