Vivian Weiand
Às vezes fico imaginando como era a vida na infância de minha avó numa época em que não havia energia elétrica. A criançada tinha de estar em casa mais cedo porque luz era só aquela oferecida pelo sol. Em função disso, todos acordavam já no primeiro raiar do dia. Quando a luz despontava no horizonte, era hora de começar os trabalhos.
Em dia de chuva, tudo complicava. Nada podia ser feito. Na roça, tudo parado. E dia nublado fazia escurecer mais cedo. Mas tinha lá sua magia, dizia minha avó. A vida era descomplicada. Todo mundo dormia na mesma hora, não tinha opção. O sol determinava a rotina e o humor das pessoas. Minha mãe também comentou algo parecido. Em sua infância não havia geladeira.
– Mas como? perguntei.
Chegava o leite de manhã cedinho, e carne a gente comprava e cozinhava no mesmo dia.
– E elevador?
Coisa de filme. Os prédios só tinham escadas.
E a primeira vez em que ela pisou em uma escada rolante, minha mãe teve a certeza de que o mundo não tinha fronteiras para inventar coisas bem bacanas.
Minha concepção de que do mundo a gente podia esperar qualquer coisa foi no dia em que me deparei com o tal do fax. Que coisa espetacular era aquilo! Era difícil acreditar que daquela maquininha saía folhas escritas, e, vejam, só! às vezes escritas à mão! Queriam me ver tendo um chilique era quando as letras não faziam o menor sentido. Nem poderia. Era alemão, inglês, francês. Alguém do outro lado do oceano te escrevendo alguma coisa. Tecnologia demais para uma cabeça de adolescente absorver.
Nas redações de jornais, a evolução não foi diferente. Conseguir um furo de notícia na Europa era contar como a boa vontade, sorte e o corre-corre de um correspondente que por mais competente que fosse só mandaria a notícia dias depois. Essa coisa de tempo real nos pegou de surpresa e hoje qualquer cidadão, munido de um bom celular, passa a ser o repórter do dia. Moço, dá pra compartilhar essas fotos? Sim, dá. E em poucos minutos, centenas de sites expõem fotos e vídeos do que está acontecendo do outro lado do oceano.
Os estagiários das redações de hoje contam com internet, WhatsApp e até essa coisa de nuvem para concluírem seus trabalhos de final de curso. Sinto até certa invejinha disso. Sou de um tempo em que TCC se fazia ou em máquina de escrever ou naquele PC 486, alguém aí ainda se lembra dele? Pois é. Vinte e cinco anos depois e olha só o que estamos vivendo. Quer saber como está o filho na escola? Acesse o site dela ou conte com a solidariedade de uma mãe que fotografa os pimpolhos e envia por celular o que seu filho estava fazendo há exatos dois minutos atrás.
Porém, por mais tecnológica que seja nossa vida, ainda estão de pé os ensinamentos mais primitivos do tempo sem eletricidade vivido por minha avó. Sim, minha avó no pedaço de novo. E viva as palavras de uma avó. Ontem choveu e me lembrei dela. Nada de trabalho pode ser feito. A internet caiu, a luz faltou, e nada poderíamos fazer depois que terminou a bateria dos computadores. Podia piorar. E piorou. Nove andares de escada foram descidos ainda de dia, questão de segurança, e me enfiei num táxi para buscar meu filho. Semáforo? Nem todos funcionavam. E lá vai a boa vontade dos motoristas em determinar de quem é a vez de passar. Em casa não foi diferente. Subir quatro andares à luz de um celular revelou, a duras penas, que minha vida sedentária está me fazendo mal. Catar aquelas velas de aniversário esquecidas em alguma gaveta da casa me levaria uma eternidade. E depois tive que procurar os fósforos. Meu estimado fogão, obviamente elétrico, não podia me ajudar. O jeito foi ficar na cozinha, à luz de velas, cortando a carne para fazer o jantar. Estrogonoff. E para beber, leite. É, leite. Porque tanto a carne quanto o leite estariam estragados se não comêssemos naquela noite, fruto de uma geladeira cuja poça de água formada ao redor deixava claro a falta de energia.
Voltei cem anos no tempo, uma época que se quer vivi, e ouvi a voz de minha avó. O jeito foi dormir cedo, para não tropeçar e cair na casa, e esperar o dia nascer. E viva a luz!!! Agora a vida retomaria seu curso, desde que a internet e a energia elétrica acompanhassem acordassem junto com o sol. Só assim eu teria uma chance de não estragar meu dia, destino da caixa de iogurte que agora jaz no lixo, junto com o abacate e dois potes de geleias que sucumbiram ao caos dos tempos modernos…
A autora é Jornalista