Cotidiano

Saúde divulga novas recomendações sobre surto de diarreica aguda em Cascavel

Entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, os casos aumentaram em 223% em comparação à média anual

A Secretaria de Saúde de Cascavel emitiu uma nota com novas recomendações sobre o surto de diarreica aguda identificado em Cascavel. Leia abaixo a nota na íntegra:

Surto de Doença Diarreica Aguda Cascavel-Pr 08/03/2019

Antecedentes

Cascavel vivencia um surto de doença diarreica aguda (DDA), identificado pela vigilância epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde (SESAU). Os casos notificados por três unidades sentinelas do município, entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, aumentaram 223% em comparação à média anual. O pico do surto ocorreu na semana epidemiológica 4/2019 (SE 4) – entre 20/01 e 26/01/2019, quando foram notificados 804 casos. Desde então, a quantidade de casos notificados tem diminuído gradativamente, sendo que na última semana foram notificados 531 casos, entretanto, este número ainda continua acima do esperado para o período.

A Doença Diarreica Aguda

É considerada uma síndrome caracterizada pela diminuição da consistência das fezes e aumento do número de evacuações (≥3 episódios/dia) acompanhada, geralmente, de outros sinais e sintomas como náusea, vomito, febre e dor abdominal. Na presença de muco ou sangue nas fezes, o caso passa a ser chamado de disenteria.

A DDA possui diversas causas – infecções (bactérias, vírus e parasitas), intoxicações (alimentos, medicamentos etc) entre outras – mas geralmente é autolimitada, com duração de até 14 dias. Qualquer pessoa pode apresentar quadro diarreico, entretanto, algumas pessoas podem evoluir para desidratação (por perda de líquidos e desiquilíbrio de sais minerais), que pode ser leve, moderada, grave e até fatal.

O diagnóstico da DDA é clínico, entretanto, um profissional da saúde poderá solicitar exames (fezes e/ou sangue) para identificação do agente etiológico e escolha do tratamento, quando necessários.

O tratamento geralmente é feito em casa, por meio da ingestão de líquidos para evitar a desidratação; mas o médico poderá prescrever outros medicamentos, tanto para amenizar a apresentação dos sintomas, quanto eliminar o agente etiológico. Os casos moderados e graves de desidratação podem necessitar permanecer em observação ou até internação em serviços de saúde, para reidratação oral ou endovenosa.

A investigação do surto

A detecção do surto desencadeou uma investigação epidemiológica, com objetivos de confirmar o diagnóstico, conhecer o perfil clínico e epidemiológico dos doentes, analisar fatores associados ao adoecimento e propor medidas de prevenção e controle. No inicio da

investigação, as suspeitas foram voltadas para as principais causas de surtos de DDA, que são agentes virais e bacterianos. De amostras de fezes coletadas de algumas pessoas doentes, foram identificados para vírus: 6 norovírus, 2 rotavírus e 1 adenovírus; e para bactérias: 5 Campylobacter jejuni e 2 Shigella spp.

Entretanto, os casos notificados, dispersos por todos os bairros da área urbana da cidade, apresentavam manifestações clínicas que não eram compatíveis com estes agentes, pois apresentavam quadro diarreico com longa duração, intermitência (melhora do quadro seguida de novos episódios diarreicos), desconforto e dor abdominal intensos, inapetência, perda de peso, pouca febre e outros sintomas gastrointestinais. Esse quadro clínico era compatível com infecção parasitária, por isso, realizaram-se exames parasitológicos para 21 amostras de fezes, das quais 15 resultaram positivas para Cryptosporidim spp, 3 Endolimax nana, 5 Entamoeba coli e 2 Giardia lamblia. É importante destacar que uma pessoa pode ter tido mais de um agente identificado na amostra de fezes.

Assim, a SESAU mobilizou técnicos das áreas de vigilância e assistência à saúde das esferas municipal, regional, estadual e federal, para elucidação desse evento. A equipe que se encontra em campo, desde fevereiro, está realizando um estudo caso-controle, que significa comparar fatores de exposição entre pessoas que adoeceram com as que não ficaram doentes, como por exemplo, o consumo de água, alimentos entre tantas outras, para elucidar a causa do surto, e assim, interromper a cadeia de transmissão da doença.

O Cryptosporidium spp

Trata-se de um protozoário que pode causar infecção gastrointestinal em uma ampla variedade de mamíferos, incluindo o homem. O oocisto é a forma infectante do parasita, que é eliminado em grandes quantidades nas fezes do hospedeiro (pessoa ou animal infectado), especialmente os bovinos jovens. Trata-se de um agente resistente a condições ambientais adversas e aos tratamentos convencionais de potabilidade da água – exceto pelo tratamento térmico (fervura da água, por exemplo) ou químicos específicos – permitindo a sua disseminação e persistência no meio ambiente.

No mundo, diversos surtos envolvendo este agente têm sido registrados na literatura, entre eles, o mais emblemático ocorreu em Milwaukee, Michigan, nos Estados Unidos em 1993. Naquela ocasião, foi identificada a presença de oocistos na água da rede pública de tratamento e abastecimento, após um episódio de alta turbidez identificado no processo de saneamento. No total, foram estimadas 403.000 pessoas infectadas por Cryptosporidium das quais, aproximadamente, 7% eram assintomáticas.

O Cryptosporidium produz diarreia de intensidade e duração variáveis, de acordo com as características da pessoa infectada (idade e estado imunológico), em até sete dias após a ingestão do oocisto, que é carreado do meio ambiente contaminado por oocistos presentes nas fezes, por meio da veiculação hídrica, alimentar e, mais raramente, pela transmissão fecal- oral (durante relações sexuais com portadores assintomáticos, por exemplo). Em pessoas imunocompetentes a doença se manifesta de forma autolimitada, entretanto, pessoas imunodeprimidas – portadores de doenças como aids e câncer, entre outras condições de saúde – podem ter complicações graves e até fatais.

A intermitência da diarreia acontece devida ao ciclo de vida do parasita, que possui duas fases de reprodução: a) assexuada (divisão celular) e b) sexuada, com liberação de oocistos que são tanto eliminados pelas fezes quanto reabsorvidos pelo intestino, causando reinfecções e episódios diarreicos após um novo período de incubação no paciente, que coincide com o período de intermitência da diarreia.

Ações realizadas

  • Monitoramento dos casos notificados pelas unidades sentinelas;
  • Solicitação de exames de fezes para identificação dos agentes etiológicos circulantes: bactérias, vírus e protozoários;
  • Busca de casos em prontuários eletrônicos para caracterização clínica e epidemiológica;
  • Contato com os casos que tiveram resultado positivo na análise parasitológica, para caracterização e acompanhamento;
  • Reunião com a Sanepar para solicitação de laudos da análise da água para o consumo humano, além de conhecer a rede de abastecimento e as medidas de tratamento realizadas;
  • Solicitação de apoio técnico para as esferas de governo estadual e federal;
  • Realização de investigação epidemiológica, com apoio da esfera estadual e federal, para analisar fatores associados a ocorrência do surto, incluindo visitas domiciliares, busca de pacientes em serviços de saúde e coleta de fezes para exames laboratoriais;
  • Realização de investigação ambiental, com apoio da esfera estadual, federal e laboratório de referência em saúde pública do estado de São Paulo – Instuto Adolfo Lutz (IAL) – para a realização de coleta e análise de água para o consumo humano.

Recomendações

  • Para a prevenção de casos novos de DDA e controle do surto, considerando a provável transmissão hídrica de infecção pelo Cryptosporidium, recomenda-se:
  • Ferver a água antes do consumo, independentemente da sua fonte;
  • Manter a limpeza dos reservatórios de água (caixa d’água);
  • Manter as boas práticas na manipulação, preparo e conservação dos alimentos, incluindo a limpeza de utensílios, frutas, legumes e verduras com sabão e água;
  • Manter a higiene pessoal e ambiental, evitando contato direto com utensílios ou mãos contaminados por fezes humanas ou animais;
  • Lavar as mãos antes e após qualquer refeição e eliminações fisiológicas, incluindo a troca de fraldas higiênicas;
  • Evitar piscinas (privadas ou públicas) e atividades aquáticas;
  • Na ocorrência de quadro diarreico, buscar atendimento em serviços de saúde para o diagnóstico e manejo clínico, adequados.
  • Divisão de Vigilância Epidemiológica Departamento de Vigilância em Saúde Secretaria de Saúde de Cascavel-Pr

Referências consultadas

1.       Brasil. Ministério da Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. 2o ed. Ministério da Saúde, organizador. Brasília; 2017. Vol. (1) 248 p.

2.       Fayer, Ronald, Una Morgan, and Steve J. Upton. “Epidemiology of Cryptosporidium: transmission, detection and identification.” International journal for parasitology 30.12- 13 (2000): 1305-1322.

3.       Hoxie, Neil J., et al. “Cryptosporidiosis-associated mortality following a massive waterborne  outbreak  in  Milwaukee,  Wisconsin.” American   Journal   of   Public Health 87.12 (1997): 2032-2035.

4.       Mac Kenzie, William R., et al. “Massive outbreak of waterborne Cryptosporidium infection in Milwaukee, Wisconsin: recurrence of illness and risk of secondary transmission.” Clinical Infectious Diseases 21.1 (1995): 57-62.

5.       Osewe, P., et al. “Cryptosporidiosis in Wisconsin: a case-control study of post-outbreak transmission.” Epidemiology & Infection 117.2 (1996): 297-304.

6.       Xiao, Lihua, and Yaoyu Feng. “Zoonotic cryptosporidiosis.” FEMS Immunology & Medical Microbiology 52.3 (2008): 309-323.